A nossa casa parece o céu (Dom Pedro José Conti Bispo de Macapá)


Anos atrás, uma criança de oito anos de São José da Costarica, fazendo a sua tarefa escolar, escreveu: “A minha casa tem só dois cômodos, duas caminhas, uma pequena janela e um gato branco. Na minha casa, nós comemos somente à noite, quando meu pai volta para casa com um saquinho de pão e peixe seco. Na minha casa somos todos pobres, mas meu pai tem os olhos azuis, minha mãe tem os olhos azuis, meu irmão tem os olhos azuis, eu tenho os olhos azuis. Também o gato tem os olhos azuis. Quando estamos todos sentados à mesa a nossa casa parece o céu”. 

Quantas vezes os olhos e o coração das crianças enxergam mais longe que os olhos e o coração dos adultos. Com sua simplicidade e singeleza, as crianças nos ajudam a perceber ou a lembrar do valor e do sentido verdadeiro das coisas. Para aquela criança, apesar da pobreza e da fome, a sua família reunida na mesa era um pedaço de céu. Alguns dizem que isso acontece porque elas, as crianças, sem perceber, guardam ainda em seu coração algo do lugar de onde, faz pouco tempo, vieram: o céu, onde estavam, perto de Deus, antes de nascer. É bonito acreditar nisso.

A disputa de Jesus com os saduceus, da qual nos fala o evangelho deste domingo, não é uma discussão sobre o matrimônio, como poderia parecer, mas sobre a ressurreição. O caso, irreal, apresentado pelos saduceus, fala de uma mulher que, nesta vida, teve sete maridos. Eles queriam saber de qual dos sete ela se tornaria esposa na outra vida, se houvesse mesmo ressurreição dos mortos. Jesus desmascara a insensatez da pergunta porque, diz ele, a outra vida, a ressurreição, não será uma cópia simplesmente melhorada desta vida, será algo de totalmente novo, onde não existirão mais casamentos e tudo o que eles trazem. Seremos todos “filhos de Deus”, isto é amados pelo único amor que desafia e supera qualquer imaginação humana: o amor de Deus. Neste caso, mais do que o amor conjugal específico entre marido e mulher, vale a capacidade de doar-se, de querer o bem do outro – ou da outra – e assim ser, cada casal, um sinal daquela aliança de amor que Deus estreitou com o seu povo e que Jesus Cristo renovou para sempre na cruz amando até o fim a humanidade.


É sempre difícil para nós, agarrados a este planeta terra pela gravidade e pela matéria, imaginar como será a ressurreição. Mas quem diz que devemos “imaginá-la” como se os nossos raciocínios e palavras conseguissem explicá-la ou descrevê-la? A ressurreição pode ser somente objeto de fé, porque será dom do próprio Deus que se doa a si mesmo. Dom é gratuidade, não um direito. É por isso que o caminho melhor para conseguir balbuciar algo sobre a ressurreição é o caminho do amor. 

Quem não consegue pensar numa existência que não seja negócio, ganância ou interesse, tem boas probabilidades de achar o céu um tédio eterno, um “fazer nada” sem sentido. O contrário deveria acontecer com aqueles e aquelas que, de uma forma ou de outra, perceberam quanto e como o amor subverte e transforma os valores materiais que o mundo adora. O amor não é questão de fazer coisas, mas de ser amados e ser capazes de amar, mesmo sem “fazer”  ou articular ações na maioria das vezes. Se não fosse assim, pessoas pobres, pequenas, simples, doentes, no fundo de uma cama, com limitações físicas ou psíquicas, nunca poderiam amar. Quem pode julgar o amor e a gratidão que sente uma pessoa que por, por algum motivo, não consegue expressar este amor? Será que porque não o diz, ela não ama? E o que dizer das coisas pequenas, corriqueiras, do dia a dia, que porém alegram e preenchem nossas vidas, como o sorriso de uma mãe ou o carinho de uma criança?

Na ressurreição descobriremos, encantados, mas sem inveja e sem remorsos, o quanto grande foi o amor de pessoas desconhecidas e insignificantes aos olhos do mundo, mas grandes, muito grandes, aos olhos de Deus. Outros talvez, famosos e exaltados pelos homens, nos parecerão pequenos e mesquinhos. Mas também não haverá disputas ou classificações. Tudo será alegria porque tudo será avaliado pelo único critério que vale neste mundo e no outro, o único tesouro que não se consome: o amor. 

Quantos olhos “azuis” desperdiçados existem por aí. Quanto pouco céu deixamos entrar em nossas casas. Quanto amor é barrado na porta dos nossos corações endurecidos. No entanto, quem se abre ao amor está a caminho da ressurreição. Os meus olhos são meio verdes e meio azuis. Não dá para mudar a cor deles, mas o meu coração sim. Todos nós podemos. 



Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá


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