O meu cavalo sequer tropeçou - Dom Pedro José Conti Bispo de Macapá
Uma noite, o jovem Pascal, o futuro filósofo e matemático, disse ao pai:
- Papai, Deus me protegeu maravilhosamente hoje: meu cavalo tropeçou, vergou-se sob mim e eu não tive sequer um arranhão...
- Meu filho – respondeu o pai – Deus me protegeu ainda mais maravilhosamente: andei vinte quilômetros e o meu cavalo sequer tropeçou.
Uma conversa simples e exemplar entre pai e filho. O assunto: a providência de Deus. Para o filho Deus foi bom porque não o deixou cair do cavalo. Uma proteção maravilhosa. No entanto, para o pai, sábio cristão, a providência de Deus estava mais nas coisas ordinárias, na possibilidade de fazer uma viagem tranquilamente, sem quedas e nem tropeços. Para dizer que Deus nos acompanha sempre. Nós não devemos pensar nele somente quando acreditamos ter recebido alguma proteção extraordinária.
Jesus, no evangelho deste domingo, quer nos lembrar o cuidado constante de Deus com as nossas vidas. A excessiva preocupação com o nosso bem-estar, com a acumulação de bens, não somente revela a nossa falta de fé, mas acaba nos afastando da busca de um bem muito maior: o Reino de Deus e a sua justiça. Assim trocamos o amor providente de Deus com os bens materiais e achamos que a bondade dele se manifeste sobretudo na fartura destes bens ou mesmo nas riquezas deste mundo. Ao contrário, Jesus nos garante que se procurássemos colaborar mais com o projeto do Pai e confiássemos mais nele, não só não nos faltaria o necessário para viver, mas experimentaríamos todo dia a surpreendente generosidade dele.
Já deveríamos ter entendido que a “justiça” de Deus é o seu próprio amor. Sempre ele pode manifestar este amor através de eventos ou situações extraordinárias, ocasiões que nós consideramos milagrosas. Nesses casos, ficamos tocados e agradecidos para o resto das nossas vidas. Isso é bonito e, em geral, fazemos questão de contar a bondade de Deus conosco aos outros, queremos manifestar, de alguma maneira, a nossa gratidão, com peregrinações ou gestos de sacrifício e de bondade. No entanto tudo isso não deveria nos fazer esquecer que amor de Deus não é somente “extraordinário”. Ele nos ama e se interessa por nós sempre. Isto porque ele nos ama, sobretudo através das circunstâncias da vida e das pessoas que nós encontramos.
Dessa forma, todos nós somos amados por Ele e podemos ser também instrumentos e canais da sua bondade. Para uma criança recém-nascida a providência de Deus tem o rosto e o carinho dos seus pais. Para um pai ou uma mãe idosos e doentes a providência de Deus tem o coração, as mãos e a paciência dos filhos que cuidam com zelo de quem lhes deu a vida. Para uma pessoa com deficiência, a providência de Deus tem o calor do aconchego da família e, se esta não dá conta, pode ser a acolhida por uma instituição, pode ser o fato de ser carregada pelos braços de uma religiosa ou de uma pessoa de boa vontade.
E para os pobres, os excluídos e esquecidos pela sociedade, quem cuida deles? Lembrando-nos desses nossos irmãos e irmãs sofredores, nós deveríamos entender, mais ainda, o que quer dizer a justiça do Reino que Jesus veio nos revelar. Eles, sem dúvidas, nos permitem exercer a caridade e a solidariedade pessoal, conscientes que o próprio Jesus está presente nos pequenos e necessitados. No entanto devemos trabalhar, também, para uma melhor organização da própria sociedade. Leis mais justas são leis que dão mais atenção aos menos privilegiados, àqueles que dependem da assistência e do sistema de saúde pública.
A luta contra a corrupção e o desvio de verbas é obra de justiça. Deus nos quer ativos no bem, bons samaritanos para os caídos na beira das estradas da vida, mas também capazes de arrancar as raízes do mal, dentro do nosso coração e nos emaranhados da convivência social. Um justo benefício ou o direito a uma digna aposentadoria podem ser, também, sinais da providência de Deus. O pão de cada dia, repartido na fraternidade, não deveria faltar para ninguém. Assim a casa, a educação, a saúde... O Reino de Deus e a sua justiça acontecendo no meio de nós.
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