A palavra chave (Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá)
Certo dia, alguém chegou com Rinzai, monge budista, e lhe perguntou:
- Diga-me aquilo que é verdadeiramente essencial, porque estou com pressa. Sou um homem de negócios e para mim o tempo é precioso. Diga-me com palavras simples: qual é o fundamento, o essencial da religião?
- Rinzai ficou em silêncio. O comerciante sentiu certo desconforto e lhe disse:
- O senhor me ouviu? Eu lhe pedi para me dizer a palavra chave da religião.
- Mas eu lhe dei esta palavra – respondeu Rinzai – Agora pode ir embora e voltar aos seus afazeres.
- O senhor é louco? Eu não ouvi nada!
- O que pode ser ouvido não é o essencial. Eu lhe dei a palavra chave. A chave é o silêncio. Agora pode ir. Você está com pressa – concluiu o mestre.
“Inaudito”, reza o dicionário, é algo que nunca se ouviu dizer, do qual não existe exemplo, tradição ou memória. Pode ser também algo que acontece no silêncio, não porque seja um engano, mas porque é tão novo, tão diferente, tão surpreendente que nenhuma palavra humana consegue expressá-lo plenamente. Estamos falando de coisas sérias, não daquela propaganda que transforma qualquer produto em “inédito” simplesmente por ter trocado, por exemplo, a embalagem. Estamos falando das coisas de Deus e do seu amor. O sábio do livro do Eclesiastes pode dizer das coisas humanas que “não tem nada de novo de baixo do sol” (Ecl 1,10). O mesmo não vale para Deus.
O evangelho do terceiro domingo de Advento nos apresenta aquela que podemos chamar de “anunciação” a José. Estamos acostumados com a anunciação a Maria do evangelho de Lucas, mas o evangelista Mateus focaliza mais a pessoa de José. Nesse caso, o anúncio da obra nova que o Senhor está fazendo em Maria lhe é revelado em sonho. Esse é o jeito bíblico de nos colocar entre o humano e o divino. Não totalmente humano, porque poderia ser fruto da imaginação da pessoa, mas nem somente divino, porque, neste caso, estaria acima de qualquer experiência humana e não seria entendido. O anúncio é real. José cumpre o que lhe é pedido: recebe Maria por sua esposa, acolhendo com ela a obra misteriosa de Deus.
Tudo o que acabei de dizer, também se com outras palavras, está no evangelho. O silêncio onde está? Poderíamos nos perguntar se palavras de anjo tem som, se os sonhos tem som. Mas este não é um silêncio qualquer. Não pode ser a simples ausência de sons. É o silêncio das palavras humanas para que seja pronunciada a Palavra de Deus, aquela palavra que faz acontecer o que diz, torna real o “inaudito”, ou seja, aquilo que o ser humano nunca podia imaginar por si mesmo, sem a ajuda do próprio Deus.
Nós estamos enchendo a nossa vida de sons e palavras, porque o silêncio das coisas nos parece vazio, deixa-nos inseguros sobre aquilo que pode acontecer. Diferente são os silêncios de Maria e José. Eles deixam de lado as palavras humanas; eles mesmos se fazem silêncio, para poder ouvir a Palavra da Vida. Palavra esta que pode ser escutada somente com os ouvidos do coração. Como existem os olhos da fé que nos fazem ver os sinais do amor de Deus, também existem os ouvidos da fé que nos fazem perceber a presença operante e benfazeja do Senhor. Algo de semelhante acontece a quem percebe o chamado para uma vocação, uma missão, um compromisso, até o martírio. Quando o ouvimos? Quais foram mesmo as palavras que escutamos? Talvez não saibamos expressá-las, mas temos a certeza confiante de que a nossa não foi pura imaginação. Todos os namorados um dia “sentem” que amam o outro ou a outra. É algo que vai muito além de uma simples declaração de amor ou de uma “cantada”, para nos entender.
Tem silêncios que valem mais do que as palavras e têm palavras que ecoam somente no silêncio interior. É o essencial. É Deus que fala.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
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