Os dois histriões - Dom Pedro José Conti



Certo dia, apresentou-se à corte do príncipe Huan um artista popular, daqueles que fazem brincadeiras nas praças, declarando-se feliz por se exibir à frente daquele senhor para amenizar as suas preocupações e responsabilidades. O príncipe aceitou e permitiu que o homem apresentasse suas capacidades. O histrião andou com pernas de pau altíssimas, deu arriscados pulos e cambalhotas, lançou espadas e facas com grande maestria. O príncipe ficou maravilhado com tantas habilidades e, por ter se divertido, recompensou o homem com uma boa quantia de moedas. No dia seguinte, a notícia chegou aos ouvidos de outro artista popular o qual, imediatamente, apresentou-se à corte. Mas o príncipe mandou prendê-lo, jogando-o na prisão. O homem  queixou-se da sua situação, considerando-a injusta, mas o príncipe lhe disse:

- O primeiro bufão me procurou pelo gosto de me alegrar. Ele não sabia se eu iria recompensá-lo ou não. Mas, tu vieste aqui só para ganhar dinheiro -. E o manteve na prisão por um mês inteiro.

A parábola dos trabalhadores da vinha, que encontramos no evangelho deste domingo, sempre suscita muitas reações. Favoráveis e contrárias. Opiniões diferentes estão, também, no próprio texto. Os primeiros trabalhadores, os que aguentaram o trabalho do dia inteiro, reclamaram porque o senhor da vinha pagou com a mesma moeda também àqueles que, afinal, tinham trabalhado uma hora só. Acharam isso injusto. Queriam receber mais. Nesta altura, o empregador da parábola foi obrigado a lembrar o acordo de lhes pagar a diária de uma moeda e fez a eles duas perguntas intrigantes:

- Por acaso não tenho direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estão com inveja, porque estou sendo bom?

A primeira questão diz a respeito ao próprio senhor da vinha que reivindica a sua total liberdade com “aquilo que lhe pertence”. Mas a segunda pergunta diz a respeito ao pensamento dos trabalhadores: só podem estar com inveja! Têm um olhar e um coração pequenos.

É fácil entender que Jesus quer nos mostrar, de um lado, a grandeza de ânimo daquele senhor, digamos, do próprio Pai, que ele sempre apresentou como alguém de extrema magnanimidade, e, do outro lado, quer desmascarar o quanto eram mesquinhos aqueles que o criticavam, os mestres e doutores da Lei, os fariseus, os primeiros chamados a fazer parte do povo eleito. Atrás da parábola está, sem dúvida, a experiência de Jesus e dos apóstolos, no início da pregação do Evangelho. Os escribas e fariseus não gostavam que ele desse tanta atenção aos doentes, aos pobres e, sobretudo, aos pecadores. Estes, segundo eles, não mereciam tudo isso porque, pela impureza e pelos pecados, já estavam perdidos, fora do caminho de Deus. Da mesma forma, os apóstolos viram que, em geral, os membros do povo da Antiga Aliança se achavam com mais direito do que os pagãos que estavam chegando para participar da nova comunidade de Jesus. Os desprezavam ou queriam encaixá-los nos seus esquemas religiosos. No entanto, ensina Jesus, o amor de Deus é livre e soberano, totalmente gratuito e quer alcançar a todos, quebrando os nossos cálculos de privilégios e merecimentos, direitos e pretensões.

Essa será sempre a tentação dos “primeiros”, daqueles que estão engajados, que têm responsabilidades, que sempre colaboraram e suaram para que as comunidades fossem para frente, funcionassem e funcionem ainda hoje, para que não lhes falte nada e possam se permitir algum luxo ou enfeite. É possível tolerar que os recém-chegados venham fazer parte dos grupos, mas que fiquem no último lugar, não deem nem palpites, por respeito aos “antigos” e porque não sabem de nada. Esses critérios podem ter sentido para clubes, associações e partidos, mas não podem ser o jeito das comunidades de Jesus, de uma Igreja aberta e acolhedora. Talvez não sintamos inveja, mas olhamos com suspeita os jovens e os novatos que chegam, os afastados que procuramos e que querem se aproximar. Parece que estejamos trabalhando somente para nós e não para o Reino, para ter mais recompensas e reconhecimentos. Merecemos, ao menos, um mês de prisão.

Comentários

  1. Belíssimo texto. Esta imagem do "bobo" me fez lembrar os magníficos textos de Shakespeare. ♡

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