Quem nos separará do amor de Deus? (Por Dom Pedro José Conti)


“Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11,21 e 11,32). Foi com estas palavras que Marta e Maria, as irmãs de Lázaro, acolheram Jesus quando ele chegou à casa do amigo, falecido havia quatro dias. Ainda hoje, esta é a primeira reação quando recebemos a notícia da morte de alguém muito querido. Pensamos que Deus se esqueceu de nós, que nos abandonou. Também Jesus na sua humanidade, antes de morrer na cruz, gritou: “Meu Deus, meus Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46 e Mc 15,34). Talvez sejam estas as palavras mais difíceis para se entender de todo o Evangelho. O que fizemos para sofrer tamanha dor? O que Jesus fez para merecer o escárnio e a terrível morte de cruz? Na hora da angústia e das lágrimas, quando sentimos que alguém muito querido foi arrancado de nós, nenhuma explicação nos satisfaz. Imaginamos muitas coisas. Chegamos a pensar que Deus seja um juiz implacável e injusto, que goste de nos fazer sofrer e de nos castigar. Até o ditado repete que quem não vai a Deus pelo amor, vai pela dor. Mas que Deus seria este que obrigaria os seus filhos a ajoelharem-se implorantes diante dele, dobrados sob o peso do sofrimento e humilhados pelas próprias lágrimas? 


A morte continua sendo um enigma para todos. Temos medo de sofrer; sobretudo porque não sabemos quando e como vamos morrer. Sentimo-nos feitos pela vida, por que, então, a morte? É verdade que hoje a ciência consegue prolongar a vida de muitas pessoas, mas seria uma ilusão pensar que, um dia, os que virão depois de nós nunca mais morrerão. Vamos ser mais realistas e, peçamos a Deus o dom da fé. Somente à luz da fé a morte pode ser entendida como uma passagem, uma páscoa, para um encontro com o Deus da Vida plena.

A morte, em si, já é reveladora de grandes verdades. A primeira verdade é a própria mortalidade humana. Mentir, esconder a morte ou fazer da morte um espetáculo somente desumaniza a própria morte. Faz que vivamos na ilusão de não morrer, assim somos pegos de surpresa, despreparados. Só podemos cair no desespero. Na mídia, realidade e ficção, à vezes, se confundem. Os heróis nunca morrem. Também é mentira. A segunda verdade que a morte revela diz respeito ao sentido da nossa própria vida. Após a morte se descobre se a pessoa amou e foi amada, se fez o bem ou não, se ficará no coração dos amigos e se deixou saudade. Quando sentimos a falta de alguém é porque os nossos relacionamentos com ele foram além da formalidade e da superficialidade. Experimentamos um pouco da beleza do amor. E Deus é Amor. Por fim, a morte revela também a fé e a confiança em Deus que a pessoa tinha. Pelos valores pelos quais lutou, se comprometeu e sofreu, podemos dizer se foi uma pessoa de fé; muitas vezes, além das manifestações exteriores da religiosidade dela. 

Assim voltamos à vida e à morte de Jesus. Não conquistou e nem possuiu nada. Morreu pobre, condenado ao suplício vergonhoso da cruz pelos chefes políticos e religiosos do seu tempo. Tinha tudo para ser esquecido. No entanto ele ensinou e mostrou que se pode viver e morrer por amor. Afirmou e provou que o amor maior é aquele de quem dá a vida pelos seus amigos (cf. Jo 15,13). A vida é plena somente quando amamos e fazemos o bem, quando espalhamos ao nosso redor bondade, afeto, carinho e paz. Isso não depende de conta no banco ou de posição social. Estes bens, aliás, podem nos desviar do caminho. Deus nos criou suficientemente humanos para saber amar, lutar pela verdade e pela justiça. Joga fora a sua vida quem pensa somente em si mesmo. A salva quem a doa. Quantos já morreram para salvar ou melhorar a vida de outros. Martírio, generosidade e vida doada não são monopólio de nenhuma religião, são sinais, sim, da presença de Deus no coração humano. 

Nós, cristãos, acreditamos na ressurreição de Jesus e que também ressuscitaremos com ele, um dia. Mas a ressurreição começa a acontecer quando em nossa vida o amor vence o ódio, a fraternidade vence o egoísmo, a alegria dos outros vale mais ou quanto a nossa.  

Visitando os cemitérios e lembrando às vitimas do naufrágio de 12 de outubro digamos uns aos outros: se Deus é por nós, quem será contra nós? Nem a morte, nem a vida, nem o presente, nem o futuro, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está no Cristo Jesus nosso Senhor (cf. Rom 8, 31-39).



Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá

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